quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ainda sobre a taxa de câmbio


O professor da PUC, José Márcio Camargo, em artigo na IstoÉ, adiciona alguns argumentos ao meu post passado sobre a taxa de câmbio. Em especial, ele aborda o fato de que uma desvalorização cambial provoca um aumento da taxa de juros nominal (que é a taxa real + inflação), o que tende a reduzir os investimentos e o PIB potencial. Imperdível leitura:

Taxa de Câmbio e Bem-Estar Social

Após dois trimestres de queda, a economia brasileira retomou a trajetória de crescimento. O consumo das famílias e os gastos do governo foram os principais motores da retomada. Outros países estão em situação similar (Austrália, Noruega, Coreia, etc.), fazendo com que os Bancos Centrais destes países já comecem a aumentar os juros.

Crescimento maior e taxas de juros mais elevadas significam maior rendimento para os investidores. Com a expectativa de que os Bancos Centrais dos países desenvolvidos irão manter suas taxas de juros próximas a zero por um bom tempo, a busca por rentabilidade está fazendo com que os investidores (empresas e mercado financeiro) direcionem seus recursos para ativos dos países que estão saindo mais cedo da recessão. Como resultado, as moedas destes países, inclusive o real brasileiro, têm se valorizado nos últimos meses em relação ao dólar.

Valorização cambial diminui os preços dos produtos importados e dos produtos que competem com os importados. Produtos como alimentos, automóveis, geladeiras, fogões, máquinas e equipamentos, em suma, os produtos industriais e agrícolas, têm seus preços reduzidos. Preços menores geram aumento da renda real das famílias, diminui o custo e gera aumento do investimento.

Com a queda dos preços, os lucros das empresas produtoras destes bens e os salários de seus trabalhadores também caem, se não em termos absolutos, pelo menos em relação aos lucros e salários daqueles setores produtores de bens que não podem ser importados, como serviços e construção civil. Ou seja, a valorização melhora a situação relativa dos produtores de não comerciáveis (serviços e construção civil), que é a maioria, e piora a situação relativa dos produtores de comerciáveis (indústria e agricultura).

A valorização pode levar empresas que investem pouco e, portanto, não renovam seu estoque de capital e sua tecnologia a se tornar obsoletas. Para estas, a consequência é a falência. Se o número de empresas com estas características é muito grande, a valorização cambial pode levar a uma redução do potencial de crescimento da economia e a um aumento da taxa de desemprego. Mas note que este é o resultado de uma estrutura produtiva ineficiente e com baixa produtividade.

Fatores externos à empresa como infraestrutura inadequada, mão de obra pouco educada, impostos muito altos, excesso de burocracia, etc. aumentam o custo das empresas e são também importantes determinantes de sua capacidade de competir. Nestas condições, uma valorização cambial poderá levar mesmo empresas eficientes a fechar suas portas por falta de competitividade. Mas isto ocorre devido a um ambiente externo pouco amigável que gera ineficiência e baixa produtividade.

Ou seja, valorização cambial é um fator positivo para a economia. A solução para evitar que empresas e setores sejam prejudicados é mais investimento em capital físico e incorporação de novas tecnologias por parte das empresas. Além disso, investimento em capital humano (educação) e infraestrutura, carga tributária menor e reformas microeconômicas que tornem o ambiente externo mais amigável. Manter a taxa de câmbio artificialmente desvalorizada gera pressão inflacionária e aumento dos juros, reduz o incentivo a ganhos de produtividade e diminui os ganhos de bem-estar para a maior parte da sociedade. Melhorar a educação e retomar a agenda de reformas são fatores fundamentais para enfrentar a valorização da moeda.

José Márcio Camargo é professor do departamento de economia da PUC/Rio e economista da Opus Gestão de Recursos


terça-feira, 17 de novembro de 2009

A quem interessa a taxa de câmbio desvalorizada?


É justo uma população inteira custear o enriquecimento de uma parcela ínfima e privilegiada da sociedade? O ministro Mantega acha que sim, haja vista as suas reiteradas declarações de apoio ao setor exportador brasileiro.

A última pérola de Mantega mais parece uma piada contada em um pé-sujo: "Com um câmbio a R$ 2,60, nós venceríamos todos, venceríamos os chineses, a indústria coreana". Não obstante a linguagem inadequada, que mais parece a de um jogador viciado em cassinos, o ministro da Fazenda comete um erro gravíssimo para um estadista: o favorecimento a uma minoria em detrimento do bem-estar do resto da população. Uma taxa de câmbio desvalorizada aumenta o custo de vida interno e prejudica a importação de setores (principalmente as indústrias de mineração e construção civil) que dependem de serviços e insumos estrangeiros. Enquanto que a inflação resultante afeta milhões de pessoas, empregos são deixados de ser criados. É correto causar sérias distorções na economia em prol dos exportadores?

Mantega finaliza seu iluminado discurso afirmando que irá "tomar medidas para estimular a competitividade das exportações". Outro erro elementar. Mantega desconhece ou ignora o passado. Décadas de estímulos estatais para o setor exportador resultou em produtividade e competitividade? Muito pelo contrário. O setor exportador brasileiro se acomodou com subsídios e privilégios tributários e cambiais, não se desenvolvendo numa área autônoma e independente. O Brasil, em 2007, detinha pouco menos de 1,2% da fatia do comércio internacional. Os bilhões de reais investidos em diversos programas de estímulos à exportação levaram a um desempenho ridículo do setor. A competitividade, como indica a raiz da palavra, depende obviamente de competição. Só se atingirá a produtividade querida com o estímulo à livre concorrência, que obrigue as empresas exportadoras a atuarem com a escala correta, a eficiência necessária e a tecnologia adequada. O governo deve restringir-se a criar um ambiente de segurança jurídica e institucional, garantindo o pleno e correto funcionamento dos mercados. Igualmente importante é a abertura do mercado interno, de forma a promover maior competição com produtos do estrangeiro. Em suma, a atuação estatal tem de ser neutra, a fim de que o setor exportador possa ter liberdade e tranquilidade para atuar. Qualquer ato além disso, como muito bem mostra o passado do Brasil, leva a problemáticas distorções na economia.

Mantega, ao defender medidas discricionárias de apoio aos exportadores, tenta criar uma competitividade artificial, à base de carimbadas e canetadas. A triste verdade é que anos de estímulos ao setor só levaram a um fracasso solene. A competitividade só vem com a competição. Porém, para o ministro da Fazenda, é mais fácil fazer o conveniente: agradar o lobby dos exportadores.