sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Uma vela para Embraer


A um avião vendido pela Embraer, acenda uma vela e reze para que o comprador mude de ideia. Esse conselho soa estranho? Não se você for um dos milhões de brasileiros que ajudam a custear os bilhões de reais em subsídios que o governo dá a essa empresa a cada operação de venda.

Os idiotas da objetividade perguntariam: a Embraer não é uma das maiores empresas do Brasil? Não é o orgulho deste país? Não é sólida e eficiente? Não emprega muita gente? Não ajuda no Balanço de Pagamentos? A todas essas perguntas, cito apenas uma palavra: PROEX. É apenas por meio dele que a Embraer é capaz de despachar os seus aviões pelo globo. Sem a sua presença, essa empresa não existiria, pois não seria capaz de competir no mercado de aviões.

O Programa de Financiamento às Exportações (PROEX) é um mecanismo de subsídio às exportações realizado pelo Tesouro Nacional. São duas as modalidades: equalização e financiamento. No caso do Proex equalização, as exportações são financiadas equalizando-se as taxas de juros com o as do mercado internacional (uma vez que as taxas internas são mais altas). No Proex financiamento, o Tesouro Nacional "banca" a operação, emprestando a quantia de dinheiro necessária para a execução da exportação a uma taxa competitiva.

Em operações como a venda de aviões, como o valor do negócio é muito alto, é de praxe o financiamento pelo exportador ao importador. O problema aparece quando o exportador não é capaz de oferecer taxas atrativas para o negócio, como ocorre com a Embraer. Nesse caso, a venda só é possível pelos subsídios. É aí que fica muito clara a fragilidade da teoria da economia industrial: não basta construir uma fábrica "na marra", à base de canetadas e carimbadas, como propagam os seus defensores. Se o cenário econômico não é propício e a empresa não é capaz de se sustentar sozinha, haverá uma necessidade eterna de ajuda estatal para que a indústria sobreviva. A Embraer pode até ter a tecnologia e a capacidade, mas não existe no país uma estrutura que comporte as suas vendas. Assim, cada operação dessa empresa demanda vultuosos recursos públicos provenientes da tributação da população.

Surge uma dúvida: é justo uma população inteira patrocinar o enriquecimento de um punhado de pessoas ligadas à Embraer? Óbvio que do lado de quem recebe o subsídio, há e sempre haverá um forte lobby pelo Proex. Porém, é no mínimo estranho recursos públicos serem desviados para fins tão particulares e fechados. Ademais, a teoria econômica não reconhece nenhum benefício dos subsídios à exportação. Não obstante a piora dos termos de troca (no caso de grandes nações), tais aberrações provocam consideráveis distorções nos excedentes do produtor e consumidor. Alguns idiotas da objetividade citariam os benefícios para a indústria e as suas externalidades positivas. A eles digo apenas que política comercial NUNCA deve ser usada com o fim diverso da sua essência. Antes de se buscar um second best, devem-se escolher políticas pontuais e precisas. Caso contrário, corre-se o sério risco de se distorcer ainda mais a economia.

Na época da sua criação, os subsídios à Embraer eram justificados pela indústria incipiente e frágil. 40 anos depois, tais mecanismos comerciais ainda existem, mas na forma de uma nova desculpa: a bola da vez é a falta de competitividade dos financiamentos. Este fato evidencia o quão frágil é a industrialização "feita na marra", "de cima para baixo". Tragicamente, quem mais sofre é a população, que vê os preciosos recursos dos seus tributos serem usados para custear empresas isoladas, favorecendo um grupo específico de interesse. A ela, resta apenas acender uma vela para Embraer.


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A privatização dos petistas


A lei n° 8.031 de abril de 1990 diz que os objetivos do Programa Nacional de Desestatização são: "reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; contribuir para a redução da dívida pública..., permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; contribuir para a modernização do parque industrial do país..., permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; e contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais".

O PND foi um marco positivo do triste governo Collor. Por meio dele, pela primeira vez desde a concepção da Constituição Federal de 1988, discutiu-se de fato o real papel sobre a economia que o Estado brasileiro deveria ter. Os seus objetivos fundamentais resumem muito bem a forma pela qual o Estado deveria ser encarado: eficiente, restrito, focado e econômico. Combater-se-ia a sua atuação direta na exploração econômica, de forma a concentrar a administração pública em áreas chaves do país.

Quase 20 anos depois, observa-se uma nova e curiosa face da privatização. Sob a égide petista, ocorre o fenômeno da regressão das ex-empresas estatais, que, a cada dia, abandonam o livre mercado em troca do caloroso colo estatal. Mais que um retrocesso, tal fato evidencia o desprezo do governo Lula pelas conquistas do PND e demonstra a sua intenção de recriar no Brasil a era das ineficientes empresas estatais. O passado recente das experiências traumáticas com os elefantes de sufixo BR foi aparentemente ignorado.

A título de exemplificação, vejamos o caso da Vale do Rio Doce. Após um processo de desestatização bem-sucedido, esta empresa ganhou escala e mercado. Tornou-se um dos colossos de mineração de todo o mundo. Não obstante o sucesso alcançado pelo livre mercado, o governo Lula rejeitou a experiência vitoriosa da Vale e iniciou um processo sujo de intervenção forçada sobre a empresa. Em 2007, os petistas chegaram a promover um plebiscito pela reestatização. No mesmo ano, o BNDES aprovou um financiamento no valor de R$ 774,6 milhões à empresa. Não foram poucas as tentativas dos petistas de sabotar a presença da iniciativa privada na Vale.

Outro exemplo é a desestatização à moda do PT de alguns aeroportos brasileiros. À primeira vista, estranha-se o governo Lula defender qualquer tipo de diminuição de intervenção estatal na economia. Porém, um olhar mais atento explicita a ironia da proposta petista: ao mesmo tempo em que o PT defende a entrega da administração dos aeroportos à iniciativa privada, a União planeja bilhões de investimentos públicos através da Infraero na infraestrutura aeroportuária. Ora, qual é o sentido da desestatização se o Estado continua a atuar no setor através de uma estatal, despejando vultuosas quantias de recursos públicos? Esta é a lógica petista da privatização.

O PND mudou a concepção de atuação do Estado na economia. Por meio dele, foram conquistados princípios de economicidade e eficiência na administração pública. Porém, quase 20 anos depois, o governo Lula, ignorando os objetivos do programa, tratou de reinventar o termo "privatização", iniciando um processo de reestatização da economia. Em decorrência disso, observa-se hoje um retrocesso da função da máquina pública, que, a cada dia, se distancia dos seus reais princípios e deveres.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Histerese no Japão - os hikikomoris


A histerese é o fênomeno descrito pela literatura econômica que modifica a taxa natural de desemprego de um país. É possivelmente uma das únicas formas pelas quais a demanda possa ter alguma influência na produção no longo prazo. Geralmente, ela ocorre em períodos longos de desemprego, como crises econômicas agudas. Neles, os trabalhadores tendem a perder competências e habilidades, além de, muitas vezes, desistirem de procurar trabalho. Tal fato provoca um aumento no desemprego friccional e um consequente retrocesso da demanda agregada.

O Japão é um exemplo de estagnação econômica duradoura. Desde a década de 1990, a economia desse país tem crescido a pífias taxas. O resultado do recente fracasso econômico é uma geração de jovens desiludidos e descrentes com o futuro. Muitos deles, pressionados por uma sociedade rígida e tradicional, e cansados da falta de boas oportunidades no mercado, desistem do trabalho ou estudo, e passam a viver reclusos em suas casas. São os chamados hikikomoris.

Sabe-se que a mão-de-obra de um país é um insumo essencial para o desenvolvimento da economia. No estado estacionário de Solow, o crescimento econômico depende principalmente do aumento da taxa de mão-de-obra. Além disso, as teorias de crescimento endógeno chamam a atenção para a necessidade da valorização do capital humano para o progresso de uma nação. Neste contexto, os hikikomoris do Japão representam um grande obstáculo para o futuro desse país. Ademais, levando-se em conta as suas baixíssimas taxas de natalidade, percebe-se que o Japão enfrentará uma grave crise de sua economia caso o estoque de mão-de-obra continue a declinar.

Os hikikomoris, atualmente, são vistos majoritariamente como um problema de saúde pública no Japão. Porém, a médio/longo prazo, tal fato configura-se como um ameaça à sustentabilidade econômica do país. Mais que uma enfermidade isolada, o enfrentamento do problema dos hikikomoris tem de ser encarado como uma política estratégica nacional.