sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Indústrias nascentes, velhas desculpas

Um dos argumentos preferidos dos entusiastas de políticas industriais ativas é o da indústria nascente. Segundo ele, apesar de os países em desenvolvimento terem uma vantagem comparativa potencial na manufatura, as novas indústrias não podem, a princípio, concorrer com as estabelecidas empresas dos países ricos. O governo, então, deve ajudá-las até que elas se tornem fortes o suficiente para enfrentar a concorrência internacional.

O BNDES tem como um dos seus pilares a defesa de indústrias nascentes. Existem linhas especiais para micro, pequenas e médias empresas que despejam bilhões de créditos subsidiados no mercado. Só nos últimos 10 anos, o volume desses desembolsos chegou a incríveis R$ 104,6 bilhões correspondentes a um número de 1.216.576 operações. Dados de 2006 indicam que havia cerca de 5 milhões de MPEs no país. O BNDES, então, esteve onipresente no setor, bancando pelo menos 20% dessas empresas na última década.

Será que é isso mesmo?

À primeira vista, o argumento da indústria nascente é bastante atraente. Não é à toa que vem enganando desavisados ano após ano. Porém, como Paul Krugman bem listou, há alguns problemas nele.

Em primeiro lugar, é preciso tomar cuidado para não se colocar a carroça na frente dos bois. Forçar uma industrialização de cima para baixo, na base de carimbada e canetada, pode arruinar o desenvolvimento de certos setores se não houver um background que possibilite isso. Vejamos o caso das indústrias automobilísticas da Coreia do Sul. O seu crescimento se deu na década de 80, quando o país passou a ter uma grande reserva de poupança e uma massa de mão-de-obra abundante e qualificada. Fosse nos 60, quando capital e trabalho eram escassos, dificilmente a Coreia teria o mesmo sucesso. A mensagem é clara: deve haver condições favoráveis para que a indústria se desenvolva de uma forma sustentável e sadia. Caso contrário, o voo mais alto que ela dará será o de uma galinha.

Em segundo lugar, é totalmente discutível o argumento de que o Estado deva intervir porque o desenvolvimento de uma indústria leva tempo e é custoso. Se o setor é supostamente capaz de auferir retornos de capital, trabalho e outros fatores, é bem racional que os investidores privados possam dar cabo dele sem a ajuda do governo. A observação da experiência passada dos mercados dá uma prova disso. Em uma economia saudável, os investidores frequentemente apoiam projetos incertos e demorados, como os da indústria de biotecnologia, que atraíram centenas de milhões de dólares sem terem feito uma única venda comercial.

Finalmente, são incontáveis os casos fracassados desse argumento. Paquistão e Índia vêm protegendo seus setores manufatureiros há decadas, mas o único setor que se destacou foi o de manufaturas leves, que não precisava de nenhuma ajuda. Argentina tem uma indústria automobilística ineficiente e fraca, apesar de lhe ter transferido bilhões de dólares.

E o que diz a experiência brasileira?

Bilhões de subsídios depois, era de se esperar que as indústrias brasileiras estivessem independentes e livres da ajuda governamental. Afinal, o argumento era de que as empresas precisariam apenas de um "empurrãozinho". Infelizmente, não é o que ocorre. Voltemos aos dados do BNDES. Entre julho de 2008 e setembro de 2009, vejamos que tipos de empresas que pediram o seu socorro. Vou apenas citar as mais conhecidas: Ambev (R$ 710 milhões), Fiat Automóveis S/A (R$ 410,9 milhões), Perdigão Agroindustrial S/A (R$ 342,9 milhões), Renault do Brasil (R$ 318,3 milhões), General Motors do Brasil (R$ 194 milhões), Carrefour Comércio e Indústria LTDA (R$ 113,9 milhões), Ford Motor Company Brasil LTDA (R$ 78,1 milhões), Saraiva e Siciliano (R$ 88,9 milhões).

Todas são empresas estabelecidas, que poderiam muito bem se capitalizar no mercado privado. Quando estavam engatinhando no Brasil (o raciocínio serve para as multinacionais, já que são centros de lucro), todas elas se valeram da desculpa da indústria nascente. E agora que já estão "adultas"? O que justifica o desvio do dinheiro público para elas? É aí que está uma grave consequência do argumento criticado por esse post. Uma vez ajudadas pelo governo, dificilmente as indústrias abrem mão das benesses estatais. A choradeira começa com o argumento da indústria nascente, depois se desenvolve para "a defesa do emprego e da indústria nacional", até terminar no "estímulo da economia nacional". O que era para ser um auxílio momentâneo vira uma dependência eterna.

É só uma desculpa para ser maior

Usar a indústria nascente como escudo das políticas indústriais (especialmente os créditos do BNDES) é uma velha estratégia de burocratas oportunistas para uma maior intervenção nos mercados. Como dito neste post, esse argumento tem falhas evidentes e gera uma difícil dependência da indústria por capital subsidiado.

A real industrialização apenas se dá sustentavelmente se houver o ambiente necessário para tal. Sem condições favoráveis, qualquer tentativa é altamente custosa para a economia e a sociedade. Canetadas e carimbadas pura e simplesmente não mudam o cenário da indústria de um país.

Lembrando Adam Smith: "If a nation could not prosper without the enjoyment of perfect liberty and perfect justice, there is not in the world a nation which could ever have prospered".

O Brasil não é nenhuma exceção. Mesmo que o BNDES teime em negar.


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